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Ah, essa história de diálogo

É noite, um homem pára à porta do edifício, olha para o alto, assobia. Outro homem aparece na janela do terceiro andar, olha para baixo e grita:
— Está sem chave?
— Estou sim. Estou sem chave.
— E a porta está trancada?
— È, está trancada.
— Então vou lhe jogar a chave.
— Para quê?
— Para abrir a porta.
— Bem, se o senhor quer que eu abra a porta, pode jogar.
— Mas o senhor não quer entrar?
— Eu não. Entrar para quê?
— Então o senhor não mora aqui?
— Não senhor.
— Se é assim, por que diabo quer a chave?
— Se o senhor quer que eu abra a porta, só posso abrir com a chave. Não havia de ser com meu cachimbo, pois não?
— Eu?! Eu não estou querendo que o senhor abra a porta coisa nenhuma. Pensei que o senhor morasse neste prédio: estava assobiando.
— Os moradores deste prédio têm o costume de assobiar?
— Eles assobiam quando estão sem chave.
— Eu assobiei não foi por falta de chave.
( tudo isso aos berros.)
Afinal de contas, pode-se saber por que vocês estão berrando?— Urrou um terceiro senhor, de uma janela do primeiro andar.— Não se pode mais dormir nesta droga!
— Estamos berrando porque aquele senhor ali está no terceiro andar e eu estou na rua. Se nós falarmos baixo, ninguém escuta.
— Mas que é que vocês querem?
— Pergunte ao senhor do terceiro andar. Eu ainda não compreendi. Primeiro ele quis me jogar a chave para abrir a porta. Depois não quis que eu abrisse. Finalmente, disse que se eu assobiei é porque moro aqui. O senhor assobia?
— Eu não! Por que cargas d’água havia de assobiar?
— Porque mora neste prédio. O senhor do terceiro andar disse que todos os moradores assobiam. Bolas! De qualquer maneira, não tenho nada com isso. O senhor pode assobiar se quiser. Passe muito bem.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Moça deitada na grama.
Rio de Janeiro, Record, 1987. p.90-91.)

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